quarta-feira, 22 de julho de 2009
Pesadelo americano
Faz 60 anos que a peça americana "A Morte de um Caixeiro Viajante", obra de referência no teatro do século passado, foi escrita e encenada pela primeira vez, e a efeméride fez-me voltar ao contundente texto de Arthur Miller, que havia lido muitos anos atrás. Tenho-o em livro, em edição conjunta com "Um Bonde Chamado Desejo", de Tennesse Williams, outro mestre da dramaturgia americana, num exemplar antigo da Abril Cultural (editora que nem existe mais; hoje é Nova Cultural). Queria ler só algumas páginas, para relembrar e comentar aqui, e acabei relendo o texto inteiro. É muito bom. Morto em 2005, Miller criou uma obra de tom marcadamente crítico à sociedade de seu país - também é autor de "The Crucible" ("As Bruxas de Salém", no Brasil), uma alegoria da paranoia macarthista dos anos 1950 de que ele próprio foi vítima -, e "A Morte..." não é exceção. Do texto desprendem-se questionamentos a vários aspectos do modo de vida americano e à cultura do "triunfo individual", tão forte naquele país. O personagem, Willy Loman, típico "americano médio", é obcecado por ser o número 1 em tudo e está sempre se importando com o que os outros pensam dele. Gaba-se de, supostamente, ter muitos amigos que o adoram e respeitam. Deseja com fervor ter um determinado estilo de vida e ser um ídolo para seus filhos. Vive tão cheio de sonhos e ilusões e amargura-se tanto pelas oportunidades que deixou passar na vida, que acaba perdendo o juízo. Ele é um loser, um homem que fracassa nas tentativas de realizar o "sonho americano", e joga na nossa cara a verdade incômoda: o sucesso não está logo ali na esquina, como muitos apregoam... A linguagem de Miller é simples, e a narrativa vai e volta no tempo para mostrar por que os personagens se tornaram o que são. Interessante observar também a influência que o social exerce no psicológico daquelas pessoas, e vice-versa. A Introdução do livro conta que, na estreia da peça na Broadway, em fevereiro de 1949, Miller estava tenso e inseguro, pensando em que relevância teria, para o público que vivia a prosperidade do pós-guerra (com excesso de 'P', mesmo), a história de um simples e desimportante caixeiro viajante... Tem relevância até hoje. E é uma prova, para muitos que não acreditam, de que os americanos sabem fazer autocrítica. A eleição de Obama que o diga.
(Lucas Colombo)
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