sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Beaux Arts

Está terminando a exposição “Arte na França 1860-1960: O Realismo”, inaugurada mês passado no Margs, em Porto Alegre, como parte da programação referente ao Ano da França no Brasil. “Realismo” é um conceito controverso – qualquer um que tenha discutido o assunto minimamente em algum momento de sua vida entende que é impossível a um artista “retratar a realidade exterior tal como ela é”, ser “objetivo”, e a mostra não tocou nessa questão. A oportunidade, contudo, foi rara. Afinal, não é todo dia que se pode ver assim, a 70cm de distância, o “gênio das cores” Henri Matisse (“O Busto de Gesso”, 1919), uma das paisagens suaves de Claude Monet (“A Canoa sobre o Epta”, 1890), as formas simples e cores contrastantes de Paul Gauguin (“Pobre Pescador”, 1896), os ‘rabiscos’ que misturam fantasia e realidade de Joan Miró (“Figura com Vela”, 1925) e as figuras longilíneas de olhos vazios de Amedeo Modigliani (“Retrato de Leopold Zborowski”, 1916-19), além de Balthus, Manet, Picasso, Cézanne e outros tantos. Com 140 peças ao todo, a exposição, como pode-se ver pelos nomes que citei, não abarcava apenas pintores nascidos na França, mas também aqueles que tiveram, de algum modo, uma relação com o país – os brasileiros Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Iberê Camargo, presentes com retratos e autorretratos, por exemplo, estudaram lá. E o título também não dizia tudo. O “realismo” francês era apenas o ponto de partida, o mote, já que, como igualmente se pode notar pelas obras mencionadas, havia trabalhos vinculados ao surrealismo, ao impressionismo, ao expressionismo e até à Pop Art, movimentos devedores daquele da segunda metade do século 19. O segundo andar, inclusive, estava todo reservado a contemporâneos, à arte recente voltada ao realismo (gostei das telas do marroquino Henri Barande, pela economia e pela sutileza que faltou às outras da seção, “fotográficas demais). A disposição dos óleos mais célebres, no térreo, sugeria, em certos momentos, pontos de contato, diálogos entre autores brasileiros e franceses ou radicados na França. Era o caso de “Jovem de Cabelos Compridos” (1942), de Lasar Segall (que estudou em Paris), colocada ao lado do pequeno – em tamanho – “Cabeça de Mulher” (1909), de Picasso; e de Paulo Rossi Osir ao lado de Modigliani. “Arte na França” exibiu, além disso, telas que fugiam da noção usual que se tem de determinados artistas. Como de Cândido Portinari, cujo “Retrato de Inah Prudente de Moraes” (1936) destoa, pelos tons mais escuros, da ‘solaridade’ que comumente se associa à sua pintura, a exemplo de “Menino do Papagaio” (1954), também presente no Museu, e outras de sua fase “social” (que, concordo com o Daniel Piza, faz concessões emotivas). Ainda, o “Auto-Retrato” de Tarsila do Amaral revelava ao público que a criadora do “Abaporu” também desenhava formas mais convencionais. Ponto para o curador, Eric Corne, francês.

Fui à exposição num dia de semana, final de tarde, e é claro que os conhecidos “As Meninas Cahen d’Anvers”, ou “Rosa e Azul” (1881), de Renoir, e “A Arlesiana”, de van Gogh, concentravam as maiores atenções dos visitantes. Conforme dados da organização, mais de cem mil pessoas circularam pelo palacete da Praça da Alfândega só nas primeiras quatro semanas. O “ingresso solidário” (um agasalho ou 1kg de alimento não-perecível) pode ter estimulado o comparecimento. Mas essa é uma mensagem positiva. O público, em geral, parecia interessado – um sujeito, aliás, vendo-me consultar as anotações que eu previamente fizera para ir à mostra, chegou a pedir-me informações sobre a “arte viva” do grande Gustave Courbet, nome-símbolo do realismo, para entender melhor os dois soturnos e perfeitos retratos à sua frente... A deselegância de alguns, porém, como sempre, não ficou do lado de fora do Margs, juntamente com nossas pastas e bolsas: vi gente desrespeitando a faixa amarela e atendendo ao celular, mesmo depois de todos os avisos na recepção. A organização, também, poderia tomar mais cuidado com a iluminação, pois alguns quadros refletiam a luz e atrapalhavam a visualização do público: não consegui achar um ‘ângulo’ para ver o “Retrato de Marcelim Desboutin”, de Manet, sem que a luz incidisse bem no rosto da figura... Pequenos ajustes técnicos teriam deixado a mostra com mais qualidade ainda. Mas valeu.

(Lucas Colombo)

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