terça-feira, 11 de agosto de 2009

Sala de cinema



Vejo em DVD, com atraso, três filmes recentes e bastante comentados. Identifico uma bomba e duas meias-bocas:

- "Quem Quer Ser um Milionário?" (Slumdog Millionaire): Mais alguém aí acha que o Oscar de Melhor Filme deste ano foi totalmente imerecido? "Milionário" é um conto de fadas ambientado nas favelas de Mumbai, uma história de amor e de "triunfo pessoal" recheada de clichês. Carrega uma mensagem de "superação" bem ao gosto do cinema americano, o que o deixa mais próximo de Hollywood do que de Bollywood, o polo cinematográfico indiano. O garoto órfão literalmente sai da m. e "vence na vida", sempre fazendo tudo por amor (aiai), numa trajetória que chega a constranger, de tão esquemática e inverossímil. Ele cai do trem em alta velocidade bem em frente ao Taj Mahal... "Mata" todas as perguntas do programa porque em algum momento de sua vida se deparou com as respostas... E a justificativa para tudo isso é "o destino"... Oh, come on. Inverossimilhança não é defeito quando justificada pelo contexto estético - mas não é esse o caso, já que "Milionário" se apresenta como uma história que "poderia ocorrer com qualquer um". Tá certo, o filme tem um ritmo ágil e prende a atenção, o jovem protagonista é talentoso e a atriz Freida Pinto é bonita, mas nada que impressione ou que eleve a produção de Danny Boyle à categoria "grande cinema". Só o espírito politicamente correto dos membros da Academia justifica um Oscar desses.

- "Dúvida" (Doubt): Considero Philip Seymour Hoffman o maior ator americano do momento, e neste filme ele novamente acerta em cheio. Sua interpretação do padre "progressista", acusado de molestar uma criança pela freira de Meryl Streep, é contida, mas intensa. Só com o olhar, Hoffman já diz muita coisa. As atrizes com quem contracena (todas, como ele, indicadas ao Oscar) também são eficientes, a começar pela sempre admirável Meryl. O filme como realização é que incomoda em vários aspectos. Em primeiro lugar, por ser adaptado de uma peça teatral (do próprio diretor, John Patrick Shanley), fica muito "entre quatro paredes", com poucas cenas externas. A trilha sonora é insistente, e os planos fora de esquadro não se justificam. A personagem da irmã inquisidora, também, é muito unilateral, um estereótipo da religiosa rígida e antipática. A única cena em que transmite certa fraqueza, já nos últimos segundos de filme, estraga a história, por querer despertar 'pena' no espectador. "Dúvida", além disso, apresenta metáforas óbvias (a "caça" ao rato, a lâmpada que queima, as folhas secas levadas pelo vento na direção da freira) e uma 'furada': desde quando aquele ritmo que as crianças dançam é "bossa nova"?... O trabalho com as insinuações, com o que fica escondido, é sempre bem-vindo na literatura e no cinema, mas "Dúvida" não é um grande exemplo disso. Embora não mostre o que "de fato" ocorreu entre o padre e o menino, não faz o espectador mergulhar nessas imprecisões. O filme não envolve, é frio. Esperava mais.

- "Gran Torino": Confesso que Clint Eastwood não era dos diretores contemporâneos que mais me interessavam, até que assisti a "Sobre Meninos e Lobos",
filme que lançou em 2003, e achei uma obra-prima. Hoje, dou muita atenção ao que ele faz. "Gran Torino", seu último longa, não está à altura daquele - mas é um bom filme. Dirigindo a si mesmo pela primeira vez desde "Menina de Ouro" (2004), Clint interpreta um velho reacionário americano "típico": veterano da Guerra da Coreia e aposentado da Ford, mantém a bandeira nacional na frente da casa e passa o dia fazendo pequenos consertos, bebendo cerveja na varanda, encerando seu carro (o do título, modelo 1972) e rosnando contra seus vizinhos imigrantes asiáticos, aos quais presumivelmente chama de "invasores bárbaros". A direção de Clint, porém, é sensível o suficiente para não deixar que tal personagem, por mais disgusting que seja, provoque total repulsa. O homem também tem seus momentos de hesitação e ternura, não é unidimensional. Mas "Gran Torino" possui problemas, especialmente de roteiro, assim como "Milionário" repleto de clichês. Há trocentos outros filmes com a história do velho rabugento e solitário que desenvolve relação paternal com um garoto, a quem ensina "coisas da vida", de quem toma as dores e com quem aprende a ser mais respeitoso, etc etc... O filme também dá a impressão de que não respira; os acontecimentos na tela se sucedem muito rapidamente e de modo até "forçado" - é difícil comprar o "amolecimento" do velho durão de um dia para outro... A bela fotografia em claro-escuro, a direção e a atuação de Clint e o fato de ilustrar a fase mais 'tolerante' pela qual passam os EUA, no entanto, tornam esta uma produção que merece ser vista. Durante a subida dos créditos, uma surpresa: o talentoso cantor e pianista inglês James Cullum entoa a canção-tema, composta por ele e por Clint e igualmente denominada "Gran Torino". Simples, mas pungente.

(Lucas Colombo)

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