terça-feira, 29 de setembro de 2009

Mocinhos e vilões?


A realidade é sempre mais complexa e múltipla do que, a princípio, parece, e, embora já tenha escrito sobre o simplismo de se discutir, por exemplo, fatos políticos com base na dicotomia "direita" e "esquerda", percebo que o trabalho de fugir dos lugares-comuns e de incentivar a busca pelos vários lados de uma mesma questão não deve parar nunca. Vejam o caso da crise em Honduras. À "esquerda" e à "direita", pululam aquelas opiniões apaixonadas de sempre: "Manuel Zelaya ajudava os pobres e foi deposto pela direita, com ajuda da elite", ou "ele colheu o que plantou, pois era chavista e queria transformar Honduras numa Venezuela", etc etc. Fui 'brindado' com várias manifestações do tipo nos últimos dias, em ocasiões nas quais lutava para não bocejar. Realmente, são poucas as viv'almas que procuram visualizar os muitos outros números entre o 8 e o 80 e, com desejados ceticismo e ponderação, dão-se conta de que, nessa novela hondurenha (mexicana?), não há "mocinhos" totalmente defensáveis. Após constatar que seu candidato à sucessão não seria eleito, Zelaya quis mudar a Constituição do país para poder reeleger-se (mudança em benefício próprio, portanto) e, para isso, convocou um plebiscito visto como ilegal pela Corte Suprema, pelo Congresso e pelo Ministério Público hondurenhos. Também demitiu o chefe do estado-maior do exército simplesmente porque os militares negaram-se a ajudá-lo na realização da consulta popular. Nada disso o favorece, mas, obviamente, também não justifica o fato de ter sido expulso do país com armas apontadas para ele, num golpe militar com cheiro de América Latina do século 20 - que não, não é "um golpe em nome da democracia", como alguns chegaram a dizer (desde quando há "golpes democráticos", santodeus?...). São absurdos o toque de recolher, o fechamento de emissoras de TV e rádio, a morte de civis nos protestos, as prisões e o cerco à embaixada brasileira, onde Zelaya refugiou-se orientado por, hum, Hugo Chávez. Da mesma forma, não ajuda muito o exagerado papel de "mártir" desempenhado pelo presidente deposto, que está acompanhado por dezenas de partidários dentro da embaixada (virou comitê, pelo visto), deixou-se fotografar descansando 'deitado' sobre uma cadeira e uma poltrona velha e discursou na sacada do prédio, indo de encontro a normas internacionais... Políticos exemplares e bravos defensores da democracia e da Constituição, como se vê, não existem em nenhum dos lados em conflito. No entanto, diga-se: Roberto Micheletti é o único golpista 'efetivo' ali. Zelaya tentou dar um golpe, mas sofreu outro. A comunidade internacional não tem mesmo que reconhecer tal governo em Honduras, e resta esperar para que a OEA consiga realmente promover uma negociação e a volta das liberdades democráticas ao país, o quanto antes. Que as eleições previstas para novembro contem com supervisão internacional também parece razoável. Enquanto a história não acaba, exercitemos nossas cabeças e fujamos das polarizações, sempre prejudiciais a um verdadeiro debate. O que importa de verdade, no caso de Honduras, é que a democracia seja estabelecida no país, e não se é a "direita" ou a "esquerda" que está com a razão. As questões só tendem a evoluir quando se evita o emocionalismo e se joga luz sobre outras variáveis que não somente as imediatas. A democracia igualmente sai ganhando.


(Lucas Colombo)

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