quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Indignação inócua



Philip Roth geralmente não gosta das adaptações cinematográficas de seus romances, e com razão. Em Fatal, versão de O Animal Agonizante, e Revelações, de A Marca Humana, para citar só dois casos, passou-se uma niveladora sobre as histórias. Acontece o mesmo em Indignação, dirigido por James Schamus. Não é contado pelo protagonista à beira da morte, como o livro. Sim, é difícil fazer um enorme flashback dar certo como filme, mas então que se adaptasse outro autor, ora. A força de Indignação, que nem é dos melhores títulos de Roth, se deve muito a esse recurso narrativo, cuja referência o americano admitiu ter sido o Brás Cubas machadiano: sob efeito de morfina, no hospital, o jovem judeu Marcus, ferido na Guerra da Coreia, recapitula sua vida e reflete sobre a inexorabilidade do destino, sobre como o momento histórico e a cultura em que estamos inseridos sufocam nossos projetos de vida. A adaptação não vai fundo nessa reflexão; prefere enfatizar o envolvimento de Marcus com Olívia, moça ao mesmo tempo depressiva e altiva. Ela é o tema de um ótimo - bem rothiano, pela crueza blasé - diálogo do romance, entre Marcus e seu roommate da universidade: "Ela chupou meu pau". "Ok, fico feliz por você, Marcus, mas, se não se importa, tenho um trabalho a fazer...". Esse, pelo menos, entrou no filme. Está lá também a discussão áspera sobre religião que o jovem trava com o reitor. Não entrou, porém, uma das melhores cenas do livro, bastante ao estilo "obsessivo" de Roth: Marcus gosta tanto do que Olívia escreve numa carta, que lambe a assinatura dela demoradamente. Só na última cena o filme consegue ser sutil, mas aí já é tarde. O ator, Logan Lerman, fraquinho, também não colabora para melhorar as coisas ao ficar com a mesma expressão facial do início ao fim. Não adianta, nunca é fácil adaptar uma voz literária de primeira linha (mais ou menos o que ressaltou este artigo da New Yorker). A discussão é velha, mas incontornável.

(Lucas Colombo)

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