terça-feira, 20 de maio de 2008

Abaporu, 80 anos


Interessante este depoimento de Tarsila do Amaral sobre a relação entre o Abaporu (1928) e a origem do movimento antropofágico nas artes brasileiras, que retirei de uma entrevista que a pintora deu para a Veja, em 1972:
(Lucas Colombo)



“Eu quis fazer um quadro que assustasse o Oswald, sabe? Que fosse uma coisa mesmo fora do comum. Aí é que vamos chegar no “Aba-Puru”. Eu mesma não sabia por que eu queria fazer aquilo... depois é que eu descobri. O “Aba-Puru” era aquela figura monstruosa que o senhor conhece, não é? A cabecinha, o bracinho fino apoiado no cotovelo, aquelas pernas compridas, enormes, e junto tinha um cacto que dava a impressão de um sol como se fosse também uma flor e ao mesmo tempo um sol e então quando viu o quadro o Oswald ficou assustadíssimo e perguntou: “Mas o que é isso? Que coisa extraordinária!”. Aí imediatamente telefonou para o Raul Bopp, que estava aqui, e disse: “Venha imediatamente aqui que é pra você ver uma coisa!”. Aí o Bopp foi lá no meu atelier, ali na rua Barão de Piracicaba, um solar muito bonito que meu pai tinha comprado recentemente, o Bopp assustou-se também e o Oswald disse: “Isso é como uma coisa como se fosse um selvagem, uma coisa do mato”, e o Bopp foi da mesma opinião. Aí eu quis dar um nome selvagem também ao quadro, porque eu tinha um dicionário de Montoia, um padre jesuíta que dava tudo. Para dizer homem, por exemplo, na língua dos índios era Abá. Eu queria dizer homem antropófago, folheei o dicionário todo e não encontrei, só nas últimas páginas tinha uma porção de nomes e vi Puru e quando eu li dizia “homem que come carne humana”, então achei, ah, como vai ficar bem, Aba-Puru. E ficou com esse nome. (...) O Raul Bopp achou que devíamos fazer um movimento em torno desse quadro, achou esquisitíssimo, ele gostou muito e depois escreveu um livro interessantíssimo sobre o linguajar indígena do Amazonas. Todos começaram a dizer que o Oswald é que tinha feito o “Aba-Puru” e criado o movimento antropofágico. Ele aceitou que dissessem que era de autoria dele, achou interessante.”

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