quarta-feira, 30 de julho de 2008

Tudo é um monte de mentiras


A Cinemateca Paulo Amorim, da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, encerrou no último domingo um ciclo dedicado a Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, os dois mestres do cinema falecidos no mesmo dia, há exatamente um ano (30 de julho de 2007). Do sueco, exibiu as obras-primas "Gritos e Sussurros" e "Morangos Silvestres", e do italiano, "A Noite" e "O Passageiro: Profissão Repórter". Fui (re)ver "Gritos e Sussurros", na sexta-feira 25. A cópia era em 35mm (ótimo!). O áudio estava um pouco chiado, mas mesmo assim o prazer de assistir ao filme na telona e em 35mm foi grande. "Gritos e Sussurros" oferece o repertório de sempre de Bergman: dor, incapacidade de comunicação, questionamentos espirituais, ressentimentos, frustrações. Passa-se num mundo feminino, em que os homens aparecem pouco e de modo secundário. Ampara-se na complexidade das três irmãs (vividas por Harriet Anderson, Liv Ullmann e Ingrid Thulin, atrizes freqüentes em Bergman) e nos diálogos amargos que elas travam, embora a personagem que menos fala, a empregada Anna (Kari Sylwan), seja a mais interessante. Música, praticamente, não há. Tocam duas composições para piano, uma de Chopin e uma de Bach, mas o que mais se ouve são os gemidos de Agnes (Harriet), a irmã moribunda, e o tic-tac do relógio do quarto dela. As atuações são grandes, a direção de arte é impecável, e a fotografia de Sven Nyvkist - com predomínio da cor vermelha, representando o sangue, a tragédia - é marcante. Duas cenas do filme se tornaram célebres: aquela em que Anna descobre o seio e nele aconchega Agnes (numa referência à Pietà, de Michelângelo) e aquela em que Karin (Ingrid) corta a própria vagina com um caco de vidro e lambuza a boca com o sangue. "Tudo é um monte de mentiras", diz ela, sobre seu casamento, antes de fazer a laceração. Que filme, que diretor! Um minuto de silêncio para Bergman.

(Lucas Colombo)

2 comentários:

Anônimo disse...

Filme perturbador. Grande Bergman.

Eu diria que, além do sangue, o vermelho da fotografia representa também o 'inferno' que é a relação entre aquelas três irmãs.

Anônimo disse...

Concordo.