quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Singular mercê


O Brasil deve ser o único país onde há o "proibido" e o "totalmente proibido". O nepotismo já não era permitido por aqui, mas seguia tão praticado pelos nossos 'representantes' (inclusive na forma 'cruzada', em que um político contrata parentes de outro político amigo), que foi necessária a mais alta corte do país entrar em ação. O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, ampliou aos phoderes (como escreve o Millôr) Legislativo e Executivo a proibição, já existente no Judiciário, de agentes públicos contratarem parentes até terceiro grau - ou seja, agora o negócio é "totalmente proibido". A medida é extensiva à união, estados e municípios. Quem já foi contratado tem de ser demitido. Agente público, é bom lembrar, serve ao público, não a seus próprios interesses.

Propostas de lei para acabar com o nepotismo tramitam na Câmara e no Senado desde 1996, mas nunca foram à votação. O STF, mais uma vez, passou na frente do Congresso. E alguns parlamentares, aliás, um dia após a decisão do Supremo, já começaram as tentativas de abrir brechas na lei. Cogitaram - vejam que maravilha - criar uma espécie de 'sistema de cotas' para contratação de parentes, como o existente em universidades brasileiras para ingresso de afro-descendentes. Realmente, o apego de nossos políticos a velhas práticas parece plano de envio de mensagem de celular: ilimitado.

Na sessão de ontem no STF, a ministra Carmen Lúcia, numa atitude de muita lucidez, citou um trecho de uma carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, para lembrar que nepotismo é praticado no Brasil desde a época do Descobrimento: "Peço por me fazer singular mercê, mandar vir, da Ilha de São Tomé, Jorge Dozoiro, o meu genro, o que dela receberei muita mercê". Pois é. A confusão entre público e privado que marca a política brasileira já nasceu com o país. Estirpar um câncer como o nepotismo não será fácil. A medida é muito boa, mas demorará até que seus efeitos se façam sentir, principalmente no aumento da qualidade do serviço público. O mais triste é ver que, no Brasil, precisa-se de lei para combater uma prática que não existiria se as relações políticas fossem honestas e impessoais.

P.S.: o presidente do Senado, Garibaldi Alves, emprega um sobrinho. Avisou que ele será demitido.

(Lucas Colombo)

Um comentário:

Anônimo disse...

Citar o Caminha foi mesmo uma boa. Espero que os espertinhos do serviço público estejam dando a festa por encerrada.