A primeira vez em que ouvi uma bossa nova com atenção foi ainda na infância, quase adolescência. Minha família tinha em casa (e ainda tem, verifiquei há pouco tempo) um vinil com a trilha sonora da minissérie “Anos Rebeldes”, exibida pela TV Globo em 1992. No disco, havia uma versão ao vivo de “Carta ao Tom”, composição de Toquinho e Vinicius de Morais. A faixa tinha apenas 1min30s, o que depois descobri ser resultado de edição. Ela tinha sido retirada do disco “Tom, Vinicius, Toquinho, Miúcha – Ao Vivo no Canecão”, registro da célebre temporada de shows que o quarteto fez na tradicional casa de espetáculos carioca, em 1977. A música tinha uma segunda parte com a ‘resposta’ de Jobim à carta de Toquinho e Vinicius, e esta resposta era uma paródia da letra inicial, em que Jobim comentava o ‘outro lado’ da capital fluminense, não aquele da garota de Ipanema, mas aquele em que se tinha de correr do pivete na rua, em que a natureza estava sendo degradada, e em que, olhando-se pela janela, não se via mais o Redentor, e, sim, apenas “cimento armado”. Essa parte foi cortada da trilha de “Anos Rebeldes”. Ok, talvez não fosse o caso de usá-la, mesmo. Mas aquele minuto e meio de música foi o meu primeiro grande contato com a bossa nova. Eu ouvia “Carta ao Tom” repetidas vezes, e achava-a (ainda acho) muito bela, com uma letra que evocava uma cidade que tinha se transformado, que não era mais só felicidade, não era como se o amor doesse em paz. Mesmo a tristeza de Toquinho e Vinicius era mais bela, naquele tempo lembrado na canção.
“Carta ao Tom” tem uma letra sensível e delicada, e uma melodia idem. Era um prazer ouvi-la. Começava direto com os vocais de Toquinho e Vinícius, sem introdução instrumental. Os dois juntos, primeiro, e depois cada um cantando uma estrofe da letra. As vozes dos dois e o violão de Toquinho. Bem básico, bem minimalista. Bem bossa nova. Depois que eles cantavam “é preciso inventar de novo o amor”, entravam as cordas, fazendo um interlúdio até Jobim começar – isso, porém, só fui descobrir depois, porque no disco “Anos Rebeldes” a música parava aí, como escrevi. Cordas, aplausos, diminuição de volume... fim. E então lá ia eu colocar a agulha novamente no início da faixa. “Rua Nascimento Silva, 107...”.
É, meu amigo, só resta uma certeza: 50 anos depois de seu surgimento, a bossa nova continua com o prestígio em alta.
Mas ouça “Carta ao Tom”, enfim. Encontrei a versão abaixo no Youtube. É uma edição com um trecho de um show que Toquinho, Vinicius e Jobim fizeram no próprio Canecão.
“Rua Nascimento Silva, 107...”
(Lucas Colombo)
Um comentário:
O Vinicius de Morais já era um homem cansado nesta época do vídeo. Ele morreu em 1980. Dá pra ver que ele não estava mais com muito vigor.
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