quarta-feira, 4 de março de 2009

F5


É um prazer estar de volta, senhoras e senhores, e vamos logo atualizar a vida aqui no blog:




- Um colega leitor perguntou qual era, e
nfim, minha avaliação do filme "Ensaio sobre a Cegueira", já que, na minha retrospectiva de 2008, apenas mencionei a recepção morna que o longa de Fernando Meirelles obteve da crítica. Digo, então, com todas as letras, que não gostei. Tudo bem que minhas restrições são mais à obra de José Saramago do que ao filme em si. Definitivamente não gosto do discurso político ultrapassado do português (Saramago é daquelas pessoas que se referem à "burguesia" e à "elite" como se fossem responsáveis por todos os males da humanidade) e acho que, mesmo escrevendo bem, ele chama mais atenção por suas opiniões do que por seus livros. Mas "Cegueira" deixa a desejar em muitos aspectos, principalmente no que tange à verossimilhança. "Mas a história é uma metáfora, uma alegoria!", diz a maioria dos espectadores do filme e leitores do romance. Exatamente, meus caros. Mesmo quando se fantasia, deve-se partir da realidade. O fato de "Cegueira" ser uma alegoria não o exime da necessidade de ter um pé no real. E isso é o que não vemos em muitos momentos do longa. Não convence, por exemplo, que a personagem da ótima Julianne Moore (foto), a única que não perdeu a visão, não se valha, naquela situação crítica, de seu privilegiado estado para sorrateiramente pegar algumas caixas de comida retidas pelo personagem de Gael García Bernal - e pior!, não tirar dele o revólver, instrumento com que ele ameaça os outros e impõe sua 'autoridade'. A história também é maniqueísta (a turma do oftalmologista e sua mulher é do bem, a do homem com o revólver é do mal, e pronto), e seu final é de um romantismo dispensável (o japonês volta a enxergar ao começar a viver em grupo, compartilhando as coisas, carinhosamente...). A fotografia esbranquiçada, a interpretação de Julianne e o humor ácido que advém da cena em que Gael, cego, faz cover de Stevie Wonder são os pontos positivos. Mas a inverossimilhança, o maniqueísmo e a ideologia não salvam a história.

- E outro amigo me perguntou o que achei da minissérie "Maysa", exibida pela Globo em janeiro. Bom, só assisti a dois episódios (e folheando uma revista), mas posso afirmar que, do pouco que vi, não gostei. O tom era melodramático, a atriz Larissa Maciel sofria mais do que sua personagem exigia e foram tomadas muitas liberdades em relação à história da cantora. Vários críticos apontaram isso mesmo: que o autor da série criou situaçõ
es que não constam nas biografias existentes sobre Maysa. Em casos como esse, de cinebiografias (ou telebiografias, enfim), mesmo que muitas vezes seja necessário inserir diálogos e cenas ficcionais para "amarrar" o roteiro, deve-se ter cuidado, sob pena de perda da credibilidade do produto apresentado. No mais, o foco foi muito a vida particular de Maysa e não tanto seu papel na música brasileira, que não é fundamental, mas também não é dispensável. Ela era uma cantora de boleros e sambas-canções que se aventurou pela bossa nova, fazendo uma espécie de 'ponte' entre esses gêneros. Sempre preferiu, porém, a dor-de-cotovelo ao cantinho e violão. Que alguns críticos a chamem de "bossanovista" é piada das mais engraçadas.

- Também fruí pouca coisa, infelizmente, de John Updike, o escritor americano morto dia 27/01. Apenas um ou outro conto. Mas, neste caso, do pouco que li, gostei. Updike ambientava suas histórias nos subúrbios de cidades dos EUA, procurando analisar como as mudanças po
líticas e culturais do país se refletiam sobre o americano médio. Versátil, escreveu romances, contos e poemas e fazia críticas literárias para a New Yorker. Ganhou dois prêmios Pulitzer, por, respectivamente, "Coelho Cresce" e "Coelho Cai", da sua tetralogia do coelho - completada por "Coelho em Crise" e "Coelho se Cala". Sua obra talvez não tenha a altura da de seu contemporâneo Philip Roth, mas Updike era um escritor inteligente e apaixonado (publicou mais de 50 livros). E pessoalmente, dizem testemunhas, era um homem muito educado e elegante.


(Foto: Reuters/The Economist)

- Falando em escritores - mas, dessa vez, d
e um ruim: a eleição do grande acadêmico (Machado, fundador da ABL, deve estar se revirando no túmulo) José Sarney para a presidência do Senado, com apoio de Lula, bem que poderia ter aquela musiquinha do comercial do finado banco Bamerindus (lembram?), adaptada ao momento, como trilha sonora: "o tempo passa, o tempo voa, e os políticos brasileiros continuam numa boaaaa...". Que um dinossauro político como Sarney (a The Economist, em artigo, chamou-o assim) assuma o comando do Congresso falando em 'renovação' é risível, ainda mais sendo ele de um partido fisiológico como o PMDB e tendo os insuspeitáveis Renan Calheiros e Gim Argello como cabos eleitorais. Sarney e sua agremiação fazem o que sempre fizeram: ficar do lado de quem está no governo, seguir a maré, conscientes de que isso renderá poder e verbas para seus currais eleitorais. Foi assim na presidência do próprio senador maranhense, e na de Collor, na de Itamar, na de FHC e na de Lula. Maior partido nacional, o PMDB é, como declarou o senador Jarbas Vasconcelos na entrevista à Veja, amorfo. Um balaio de gatos, um exemplo vivo de como é ruim o sistema político brasileiro. E o fato de Sarney ser vinculado ao Maranhão e ter mandato de senador pelo Amapá só aumenta a esquizofrenia. Ah!, ele já disse que apoiará Dilma Rousseff em 2010, claro. Lula agradece.

- Em tempos de inútil reforma ortográfica, fico com o escritor Milton Hatoum e não abro: no Brasil, precisamos de "idéias" com acento agudo.


(Lucas Colombo)

2 comentários:

Anônimo disse...

Lucas,
acho que cometeste na tua resenha os mesmos erros atribuidos ao Saramago.
Acho que tanto o livro quanto o filme merecem uma avaliação mais extensa. Alem do mais, não se pode avaliar um livro pela adaptação feita pelo cinema.
Em fim, como já te falei outra vez, eu fiz uma resenha estabelecendo um paralelo entre as duas obras. Não quero dizer que seja mais interessante, mas eu me preocupei em aprofundar um pouco mais
Abraços
Ademir

Anônimo disse...

Caro Ademir, obrigado pela leitura. Mas você diz "avaliação aprofundada" em que sentido? É claro que numa adaptação sempre se perde alguma coisa, mas a história nos dois, livro e filme, é a mesma. E este é meu foco: embora seja uma alegoria, ela tem "forçações" de barra, como indiquei.

Eu não li o seu texto (vou procurar ler), mas sinceramente não creio que avaliar "Ensaio" com profundidade seja dizer, como muitos por aí, que a história dele é um "libelo contra o egoísmo e o individualismo", uma "crítica à insensibilidade contemporânea perante as mazelas do mundo", ou "uma representação da barbárie capitalista". Isso não é fazer uma análise independente da criação de Saramago, é fazer uma análise ideológica. E eu acho que os críticos geralmente se prendem mais na "mensagem" de Saramago do que na qualidade de suas histórias. Pretendi, com o comentário, oferecer pontos de vista diferentes do senso comum, porque assim é que se contribui com um debate. Lançar opiniões diversas na roda também é "aprofundar" uma análise, não acha? Se ficarmos sempre nos mesmos argumentos, nas ideias arraigadas, as discussões não evoluem.
Grande abraço.