terça-feira, 2 de março de 2010

Luminosas, ma non troppo



Atualizo-me com três filmes "de ideias". Os dois últimos foram lançados há algum tempo, mas só recentemente saíram em DVD no Brasil. Nada que entusiasme realmente:

- "Entre os Muros da Escola" (Entre les Murs): Este longa que retrata as relações entre um professor de francês e seus alunos da periferia de Paris ganhou a Palma de Ouro em Cannes, recebeu cartas de amor da crítica e foi, saudavelmente, um dos mais discutidos de 2009, por abordar um problema que, hoje, é praticamente mundial. François, o professor, tenta dar aula para uma turma multicultural de adolescentes bastante dispersivos e agressivos, que esnobam o conhecimento, acham que ler não serve para nada e que usar o pretérito imperfeito do subjuntivo é "burguês" e "fora de moda". Pensam que contestação equivale a fazer chacota e agir desrespeitosamente, muitas vezes sob condescendência dos pais. O interesse deles vai apenas para hip-hop, rap e futebol. O professor busca "domá-los" explicando que a escola é um ensaio para a sociedade, que há normas que devem ser cumpridas, etc. Mas ele também comete erros: procura o tempo todo ser camarada com os alunos (sabemos que nem sempre isso funciona) e, quando finalmente sua paciência esgota, faz um comentário no mesmo tom grosseiro daqueles que recebe. O "pulo" para o último dia de aula, no final do filme, também parece um tanto forçado, fora do ritmo da narrativa. Entretanto, apesar desses incômodos, "Entre os Muros da Escola" faz pensar, e muito, sobre o antiintelectualismo contemporâneo. E esse é seu maior mérito. O estilo "documental" perseguido pelo diretor Laurent Cantet é igualmente bem servido pela fotografia crua e pela câmera nervosa. Estamos longe de um "marco" cinematográfico ou de um filme "inovador", como chegaram a escrever alguns apressados. Mas diante, sim, de um trabalho que merece muito ser visto.

- "A Culpa é do Fidel!" (Le Faute à Fidel!): As notas que li sobre esta produção francesa de 2006 que "satiriza os dogmas esquerdistas" davam conta de que ela carregava ironia já nos créditos, por ser a diretora, Julie Gavras, filha de Constantin Costa-Gravas, responsável por célebres filmes com temática "de esquerda", como "Z" e "Missing - Desaparecido". E de fato a história, adaptada livremente do romance italiano "Tutta Colpa di Fidel!", consegue fazer humor político em vários momentos. Anna (ótima atuação da menina Nina Kervel, muito expressiva), uma garotinha mimada de 9 anos que estuda num colégio católico de Paris, vê sua vida mudar fortemente depois de uma viagem de seus pais ao Chile, às vésperas da eleição de Salvador Allende. O pai, espanhol, tem familiares que eram ligados ao ditador Francisco Franco e, para "compensar", torna-se comunista. A mãe, por sua vez, vira feminista ferrenha. Anna muda-se com os pais e o irmãozinho para uma casa menor, pintada de vermelho, e, além de não poder rejeitar o jantar modesto porque "há muita gente que nem tem o que comer", ainda é proibida de ler gibis do "fascista" Mickey e de frequentar as aulas de catecismo na escola. Há cenas impagáveis, como aquela em que a menina reencontra o pai após a viagem e se espanta ao ver que ele deixou a barba crescer e aquela em que Anna e o irmão, seguindo o que escutam dos pais, se escondem de um policial na rua "que joga napalm em criancinhas do Vietnã". Vêm da esperta e irritada Anna as falas mais sensatas: "Sei que devemos ajudar os pobres e ser bons com eles, mas por que tudo isso?..." ou "Hello, isso aqui é uma loja!" (respondendo a um amigo do pai que, ao participar da brincadeira de "lojinha" da criança, explica a ela os benefícios de "trocar" produtos em vez de só comprá-los). Mas o filme, ao contrário do que diz a maior parte das matérias publicadas sobre ele, não é anti-esquerdista, não. Na segunda metade de "A Culpa é do Fidel!", vê-se que Julie Gavras simpatiza, sim, com o que anteriormente "debocha": a garotinha, ao se abrir mais ao convívio com os "barbudos", começa a perceber que as ideias defendidas por eles não são tão detestáveis assim e decide mudar de escola e ser mais "solidária" com os outros. E é aí que esta comédia desanda. E decepciona. O melhor tipo de humor é o que não poupa nada e ninguém. E arte que faz concessões políticas, seja para a "direita" ou para a "esquerda", tem pouca ou nenhuma graça.

- "A Era da Inocência" (L'Âge des Ténèbres): Denys Arcand é o diretor de "As Invasões Bárbaras" (2003), filme que, para mim, é um dos melhores dos anos 2000 e, sem exagero, um dos melhores de todos os tempos. Mas ele passou muito do ponto neste "A Era da Inocência", lançado em 2007 como o último da trilogia formada ainda por "Invasões" e por "O Declínio do Império Americano", de 1986 (a "tradução" do título, aliás, pra variar é besta. Quem estudou História no colégio sabe que o original, "A Idade das Trevas", remete à Idade Média, período evocado no filme e que se seguiu às invasões bárbaras que acabaram com o império romano). Os 109 minutos do longa parecem servir apenas para que o cineasta nos despeje o seu ranço anti-modernidade (ou pós-modernidade, como diria um acadêmico), que já expressou em produções anteriores feito o próprio "As Invasões Bárbaras" e "Estrelato" (2000). Nessas, contudo, tal postura se manifestava de modo mais sutil. Aqui, não. Tudo em "A Era da Inocência" quer convencer o espectador do quão doente e medíodre é a contemporaneidade, e como ninguém parece notar isso. Sem elegância, sem contrapontos, nada: para Arcand, a civilização está um lixo e pronto. Seu personagem, Jean-Marc, é um funcionário público patético, casado com uma mulher que só pensa em trabalho e pai de duas adolescentes que não lhe dão a mínima. Sua mãe definha no hospital, seu jantar é à base de comida aquecida no micro-ondas, o politicamente correto o sufoca (é advertido pela chefe por se referir a um colega como 'negro', mesmo que o colega se assuma como tal) e, no trabalho, ele atende pessoas abandonadas, exploradas e humilhadas pelas leis do país. Para se evadir de tão insuportável realidade, sonha que é um príncipe medieval, ou um escritor premiado, ou uma celebridade, sempre atraindo admiradores e mulheres gostosas ávidas por transar com ele. Arcand é feliz em alguns pontos de sua crítica, como na reprovação ao politicamente correto e às desculpas que damos no cotidiano (trabalhar muito, por exemplo, de fato não é justificativa para não buscar diversão). No entanto, cansa ao estereotipar tudo o que circunda o personagem para poder pôr a ênfase onde deseja. Jean-Marc vive num mundo só egoísta, raso e intolerante (e que está se acabando por causa do aquecimento global!), mas ele próprio é um imbecil, por não se impôr diante do que considera errado - quando o faz, porém, é da mesma maneira descortês e violenta dos outros. A tecnologia, tal qual em "Invasões", aparece nesta comédia wannabe novamente como o ápice da alienação: iPods, videogames e celular só fazem aumentar a incomunicabilidade contemporânea. O ser humano comete idiotices desde que o mundo é mundo, mas, para Denys Arcand, na era atual, não há saída. Ou melhor, há: largar tudo e viver numa casinha à beira-mar, isolada, e dedicar-se à jardinagem. Demagogia? Não. Bobagem, mesmo. "As Invasões Bárbaras" despertava mais reflexão no público. É melhor.

(Lucas Colombo)

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