(Foto: Emerson Machado)
Nelson Rodrigues foi o tema do Palavra Composta dessa semana, realizado excepcionalmente na segunda-feira, 14. Para falar da obra do maior dramaturgo brasileiro, morto há 30 anos, o editor do MM e mediador dos encontros, Lucas Colombo, recebeu o escritor e resenhista de cinema Rodrigo Rosp e o ator e diretor Roberto Oliveira.
Antes de iniciar a conversa, para que a plateia 'entrasse' no universo do autor, Lucas exibiu o episódio "A Esbofeteada", da série "A Vida como Ela é", produzida pela TV Globo em 1996. A emissora adaptou alguns dos contos diários publicados por Nelson no jornal Última Hora, na década de 1950, em que ele tratava de adultério, crimes passionais, neuroses e taras, temáticas constantes em sua obra. Depois, o mediador abriu a discussão com a ideia de que Nelson, como Machado de Assis, descortinou o comportamento brasileiro; revelou a hipocrisia, as frustrações e os desejos escondidos sob o clichê do "povo pacífico e simpático". Rodrigo e Roberto concordaram com o comentário e que é exemplo disso o caso da moça hostilizada na universidade, em SP, por ter ido à aula de minissaia, no ano passado. Nelson revelava que há sentimentos destruidores por baixo do manto brasileiro da "harmonia".
Especificamente sobre o trabalho dramatúrgico do autor, Roberto explicou por que "Vestido de Noiva", de 1943, inovou o teatro brasileiro: a ação desenvolve-se em três planos, realidade, alucinação e memória, com as informações, assim, sendo fornecidas ao público de forma não-linear. Tal estética de fragmentação de tempo e espaço já era praticada por autores americanos e europeus, mas, no Brasil, foi Nelson quem a introduziu. Ele ainda inaugurou o diálogo coloquial e direto no teatro brasileiro, como frisou também Roberto. Já Rodrigo, a respeito dos personagens de Nelson, disse que estes são, à primeira vista, estereótipos: o grã-fino devasso, a falsa beata, a solteirona reprimida. Com o desenrolar do enredo, porém, vamos vendo que não são estereótipos "de telenovela": eles sempre têm algo por trás, sentimentos escondidos, que os tornam complexos. Essas várias "camadas" dos personagens, conforme completou Roberto, fazem da sua representação um desafio aos atores.
Lucas citou dados biográficos do dramaturgo e escritor que podem ter contribuído para a sua visão trágica da existência: Nelson gostava de faltar à escola, quando criança, para ir a velórios; presenciou o assassinato do irmão; teve um filho preso pela ditadura. O mediador também leu aforismos rodrigueanos célebres e trechos mordazes de crônicas de "O Óbvio Ululante", um dos livros mais conhecidos do autor. No 'embalo', Roberto leu uma passagem de um ensaio sobre o dramaturgo, e Rodrigo, parte de um diálogo de "Bonitinha, mas Ordinária", peça de 1962. No final do debate, foi impossível não lembrar, em plena Copa do Mundo, que Nelson foi igualmente o grande cronista do melhor momento do futebol brasileiro, 1958-1970. Criou expressões e tipos memoráveis, como o "Sobrenatural de Almeida" e a "Grã-fina das narinas de cadáver".
* * *
Na próxima semana, de volta à terça-feira, dia 22, às 17h30min, teremos um Nomes & Obras. A contista Monique Revillion, autora de "Teresa, que esperava as uvas", falará de seu livro e de narrativas curtas com o público. Até lá.
Serviço
Palavra Composta e Nomes & Obras
Quando: toda terça-feira, de junho a setembro, às 17h30min
Onde: livraria Letras&Cia. (Osvaldo Aranha 444, Porto Alegre)
Realização: MínimoMúltiplo.com e Letras&Cia.
Entrada e estacionamento (Osvaldo Aranha 420) gratuitos
Nenhum comentário:
Postar um comentário