domingo, 6 de dezembro de 2015

Paralisia bienal


Percorrer a 10ª Bienal do Mercosul, encerrada hoje, fez-me lembrar um artigo do Daniel Piza, "Mitos paralisantes", do livro "Questão de gosto", em que ele diz existir, na cultura brasileira, grupos que vivem de "agregar bajuladores em eventos auto-referentes", vendendo "a mesma ideia há 40 anos" mesmo que ainda se afirmem inovadores, e que, com esse discurso de sempre, impedem a arte brasileira de ir para frente. Nomes aos bois: cinema glauberiano, tropicalismo, teatro de Zé Celso e... concretismo e antropofagia. Essa Bienal deu razão a Piza. Estavam ali, de novo, Augusto de Campos e Ferreira Gullar e o lugar-comum da antropofagia oswaldiana, o deglutir de influências estrangeiras e sua devolução como produto 'original', 'nacional'. E tome Tarsila, tome Oiticica...

A mostra do Santander Cultural, intitulada, claro, "Antropofagia neobarroca", foi toda nessa direção, sem esquecer a velha abordagem do "colonialismo", cara à esquerda latino-americana. Isso explica a presença de "Ecce Homo", do uruguaio Federico Arnaud, vídeo com a logomarca da Coca-Cola. As telas de artistas contemporâneos que também compunham a mostra eram mais ilustrações do que pinturas, com pouca interação entre figura e fundo, nada muito digno de atenção, e a clássica "Tiradentes supliciado", de Pedro Américo, me pareceu constar mais pelo valor histórico do que artístico. Uma curiosidade era a pintura de 1994 de Beatriz Milhazes, ainda sem as características que nos acostumamos a ver na autora (muitas cores, arabescos), a não ser os círculos concêntricos. Gostei de "Anaconda", do venezuelano Carlos Zerpa, 2013, foto abaixo. Exemplo do que se pode fazer com um material de uso superado como discos de vinil, além de, claro, ser uma boa representação do 'envolvimento' que a música nos proporciona. Mais do que uma referência ao mito amazônico do réptil que come grandes animais e os rumina por dias, no que seria 'antropofágico', etc. etc.


"O canibal" (2000), de Ana Norogandro, também me fez parar para fotografar:


A exposição reservada ao MARGS, "Modernismo em paralaxe", deveria se chamar "Pós-modernismo em paralaxe", pois o que mais se viam eram trabalhos da chamada 
segunda fase modernista, iniciada nos anos 1960. Li que a proposta era "desconstruir a noção de um movimento internacional coeso e organizado", mas, sorry, a proposta não foi atingida. As peças expostas eram bastante semelhantes, voltadas às estéticas modernistas conhecidas: cubismo, abstracionismo geométrico, concretismo... E, como de hábito, havia na mostra alguns daqueles trabalhos de "arte contemporânea" que não dá para levar muito a sério. Caso de "Pilha", do carioca Milton Machado, apenas gaveteiros empilhados (talvez fosse mais pertinente a uma feira de móveis); das colagens do gaúcho André Petry, muito simples na forma e de conteúdo pouco ambicioso; e da videoarte do mexicano Francisco Ugarte, 2011, uma projeção de slides de formas geométricas (se você quiser uma obra criativa mais satisfatória envolvendo projeção de slides, fique com essa cena linda da primeira temporada de Mad Men). Me prendeu mais a tela com uma das paisagens nebulosas, algo melancólicas, de Guignard. A foto a seguir é um detalhe da escultura "Coluna neoconcreta", do austríaco naturalizado brasileiro Franz Weissmann, com os "Parangolés" de Oiticica ao fundo. Aliás, um contrassenso: criadas para que o público pudesse trajá-las, essas capas e túnicas foram expostas na parede, com aquela faixa branca de "Não ultrapasse" no chão a impedir o contato dos visitantes.


Na Usina do Gasômetro, um trabalho discreto e atraente era o "Tintas Polvo" (2013), de Adriana Varejão, um conjunto de bisnagas de tinta desenvolvido pela artista a partir 
de cores que, numa pesquisa, brasileiros atribuíram às suas peles: "parda clara", "meio preto", "sapecada", "branquinha" e por aí vai. Valeu ver, também, a instalação "Roda dos prazeres", de Lygia Pape, e os globos iluminados do colombiano Oswaldo Maciá. Pelo inusitado, o maior destaque lá era a mostra "Olfatório: o cheiro na arte", constituída por obras que exalam ou evocam aromas, agradáveis - a exemplo das caixas olfativas de José Ronaldo Lima - ou desagradáveis - a videoarte da paraguaia Patricia Wich, composta por imagens de corpos em decomposição. That's rare.

Ainda na Usina, a seção "Aparatos do corpo", reunião de trabalhos que representavam corpos ou a relação do homem com as vestimentas, tinha um excelente Iberê, "Mímica", (1987), do período em que o grande pintor voltou ao figurativismo (abaixo, detalhe). De resto, muita arte conceitual, aquela que exige do espectador conhecer o 'conceito' para, só assim, entender as obras, em boa parte responsável pelo afastamento do público das artes visuais nas últimas décadas, e, guess what?, mais um Oiticica, com, de novo, a instalação "Tropicália".


Bienal de altos e baixos, mais baixos que altos. E que barulho e problemas geram esses baixos.


(Texto e fotos: Lucas Colombo)

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