terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Quaresma prossegue


No meu artigo feito na esteira dos cem anos de “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, republicado no MM, destaquei trechos do romance que Lima Barreto poderia ter escrito em 2015, tamanha a semelhança com o atual cenário político brasileiro. Aqui vão mais dois:

Esse entusiasmo e esse fanatismo, que o ampararam, que o animaram, que o sustentaram, só teriam sido possíveis depois de ter ele sido ajudante general do Império, senador, ministro, isto é, após se ter ‘fabricado’ à vista de todos e cristalizado a lenda na mente de todos.” O narrador refere-se a Floriano Peixoto, segundo presidente da História do Brasil, mas bem poderia estar falando de Dilma Rousseff.

Os governos, com os seus inevitáveis processos de violência e hipocrisias, ficam alheados da simpatia dos que acreditam nele; e demais, esquecidos de sua vital impotência e inutilidade, levam a prometer o que não podem fazer, de forma a criar desesperados, que pedem sempre mudanças e mudanças.” É o que vemos agora: uma população que reclama de ter sido enganada pela candidata vencedora das eleições e, por isso e pelas crises política e econômica, dão-lhe índices recordes de impopularidade.

Lima parece descrever aspectos da cultura atual também: “aquelas cantigas gritadas, berradas, num ritmo duro e de uma grande indigência melódica” é a observação de uma personagem acerca de uma festa de rua...

Uma das razões por que a crítica tem saudado a geração atual de romancistas brasileiros é a de essa não ter uma “agenda” política (perfil do elogiado Daniel Galera, na revista Piauí, dava conta de que ele não se interessa pelo tema). A despreocupação em debater a sociedade brasileira é vista como sinal de maturidade. Ok, é bom mesmo haver mais diversidade, sutileza e fuga do mero panfleto. Mas umas cutucadas literárias bem dadas no país, como as que Lima deu e como as que, por exemplo, autores americanos contemporâneos dão nos EUA, às vezes fazem falta por aqui (terá Fernando Bonassi vindo suprir a carência?)... Motivos para cutucar proliferam. Lima sabia disso, seu personagem centenário termina sabendo, e os brasileiros enfim desiludidos agora também sabem.

(Lucas Colombo)

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