quinta-feira, 10 de outubro de 2019

MM Recomenda - Depois do Fim, de Alex Bezerra de Menezes



Nestes tempos em que a literatura brasileira anda ensimesmada, um desfile de egos clariceanos que insistem na já cansada metalinguagem, felizmente há autores reagindo e redescobrindo o prazer e a riqueza de se contar uma boa história com a qual se discute o humano e uma sociedade – e não uma história sobre os dilemas de um escritor ao contar uma história. Fazem isso voltando-se ao passado recente do país, atitude também incomum entre os atuais ficcionistas daqui, que tendem a situar suas narrativas no presente ou em períodos mais distantes. Cristovão Tezza ambientou A Tradutora, de 2016, e A Tirania do Amor, de 2018, no tumultuado Brasil dos últimos dez anos. Daniel Galera, em Meia-Noite e Vinte, fica meio cá, nestes anos 2010, e meio no tempo da juventude dos personagens, os anos 1990. Inteiramente naquela última década do século 20 fica Alex Bezerra de Menezes, em Depois do Fim (Simonsen, 2016, 190 p.). O momento de esperanças (presidente corrupto derrubado, Plano Real, ascensão de Lula) que seriam frustradas na década seguinte se reflete nas trajetórias dos personagens: a vida deles também não dá certo. Em São Paulo, dois irmãos, um professor universitário e outro meio vigarista, tentam recuperar uma valiosa pintura de Frans Post, feita no período da ocupação holandesa em Pernambuco, que teria sido ingenuamente dada à avó morta deles. Para conseguir, porém, talvez tenham que lançar mão de métodos não muito lícitos – opção que, afinal, sempre se apresenta a quem vive no Brasil. Depois do Fim, aliás, vai fornecendo no desenrolar da narrativa um leque de tipos brasileiros: o imigrante europeu, o migrante nordestino, o intelectual pedante, a cidadã “politizada” de classe média. Todos circundados por fatos como a hiperinflação, o Tetra no futebol em 1994 e a derrota em 1998, o começo do uso da internet e do celular – e todos, em dado momento, unidos para dar um golpe. É um romance de ideias, em que o personagem-narrador, o irmão professor, intervém a toda hora para expor teses sobre comportamentos e fatos do cotidiano brasileiro. Com isso, aqui e ali a narrativa parece perder ritmo, falha compensada pela argúcia da maioria das observações. O olhar com que Alex Bezerra analisa o mundo de seus personagens é irônico, algo machadiano, o que fisga o leitor. E a conclusão a que esse leitor pode chegar é tragicômica como o personagem que acompanha, o homem que quer fazer tudo certo mas é pressionado pelo momento e pela cultura de elasticidade ética em que se insere: no Brasil, tudo acaba em falcatrua. Honestidade, aqui, é teimosia. Teimosia sem a qual não se forma um caráter, de um indivíduo ou de uma sociedade. Que certa literatura esteja enfrentando e pensando a questão sem, brasileiramente, cair nos polos do ufanismo (“É o jeito informal e criativo do brasileiro”) ou do derrotismo (“Este país é inviável”) é uma boa notícia. (Lucas Colombo)

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