segunda-feira, 27 de julho de 2009

A dama canta o blues


O que escrever sobre Billie Holiday, neste mês em que se completam 50 anos de sua morte? O que ainda não foi dito sobre essa fabulosa cantora? Ela é minha intérprete favorita de jazz, ao lado de Sarah Vaughan e Blossom Dearie, e morreu em 17 de julho de 1959, aos 44 anos. Corro o risco de ser redundante e apenas destacar o que é sempre destacado nela, porém não vejo muito espaço para manobra. É impossível não elogiar seu timbre inconfundível, sua sensualidade, sua grande capacidade de expressar emoções através do canto, etc etc... Ouvi-la é fascinante. Sua voz não é exatamente delicada, é áspera, rascante, anasalada, mas de grandes profundidade e flexibilidade. Com seu fraseado original e sua sensibilidade melódica, Billie contribuiu para definir o que é "cantar" no jazz. Ela é referência. Muitas intérpretes contemporâneas, aliás, de Cassandra Wilson a Madeleine Peyroux, rezam em seu altar.

No vídeo acima, retirado de um especial televisivo de 1957, Lady Day - como foi apelidada pelo parceiro Lester Young - canta "Fine and Mellow", composição sua gravada pela primeira vez em 1939. Ao seu lado, estão os grandes saxofonistas Ben Webster, Gerry Mulligan, Coleman Hawkins e o próprio Lester Young, além do pianista Mal Waldron. Embora já parecesse cansada, Billie está toda ali, com seu jeito insinuante e a força que impunha aos versos que entoava. No início do vídeo, ela salienta que, para cantar o blues, "você tem de senti-lo", e que o que canta é parte de sua vida. Tal convicção pode explicar as interpretações viscerais de canções como "Strange Fruit" (um protesto contra o intenso racismo no sul dos EUA, só abolido oficialmente na década de 60), "Lady Sings the Blues" (também título de sua autobiografia), "Sophisticated Lady" (uma das que mais gosto de ouvir na voz dela) e a própria "Fine and Mellow", cuja letra é um lamento feminino em relação aos maus-tratos de um homem ("My man don't love me/he treats me, oh, so mean/He is the lowest man/that I've ever seen"). Billie refletia em sua música o caráter atribulado de sua trajetória. Nascida em 1915, quando sua mãe era ainda uma adolescente, Eleonora Fagan Gough - seu nome verdadeiro - teve infância pobre, sofreu abusos sexuais e chegou a prostituir-se na adolescência. Começou a cantar no início dos anos 1930, em nightclubs nova-iorquinos, foi descoberta pelo produtor John Hammond e consagrou-se depois em apresentações com as orquestras de Duke Ellington e Artie Shaw, mas sua vida pessoal seguiu conturbada. Billie contabilizou episódios de depressão, decepções amorosas e vício em álcool e heroína, o qual, inclusive, levou-a à prisão, por porte de drogas. Morreu de cirrose. Sua arte sobrevive.

"Just treat me right, baby
and I'll stay home night and day..."


(Lucas Colombo)

2 comentários:

Fernando Costa disse...

A Billie Holiday é umas das vozes mais bonitas do meu período formativo nas escolas do jazz vocal. Que a dama cante o blues, como você escreve, não me surpreende, sua voz era quente e elástica adaptando-se facilmente a qualquer um dos registros. Dentro do universo do blues, para quem a música de Holiday abriu o apetite, além dessas presenças pontuais, é importante não esquecer os grandes clássicos – tem desde a lenda viva B.B. King até o essencial John Lee Hooker, passando por Muddy Waters e até Leadbelly. Vendo esse vídeo aí, fiquei pensando que fazem falta na rádio espaços de divulgação e descoberta do blues... Há tanto para conhecer ainda, não é mesmo? Deixo aqui a sugestão de um site em língua portuguesa que tem rádios online, programadas com vários gêneros de música, incluindo o blues, da escola mais clássica até o mais moderno. Vai checkar: http://cotonete.clix.pt/

Lucas Colombo disse...

Fernando, belo comentário. Realmente, como ressaltei, Billie tinha voz de grande flexibilidade e um timbre muito peculiar, que, somados às suas sensualidade e expressividade, fizeram-na a sensacional intérprete que é.
Muito bacana a iniciativa dessa radioweb. Concordo que há sempre muito o que conhecer e admirar (e questionar...) na música e que as coisas boas dessa arte deveriam ser mais abordadas. Há público para isso, sim, ao contrário do que muitos pensam... Abraço.