(Fotos: Emerson Machado)
A programação de agosto dos eventos do MM em parceria com a Letras&Cia. foi aberta, excepcionalmente, na última (e fria) quinta-feira, 5, com o jornalista e escritor paranaense Laurentino Gomes como convidado do Nomes & Obras. Ao lado do mediador - o editor do MM, Lucas Colombo -, o autor do sucesso de vendas "1808" falou a uma plateia de jovens estudantes sobre seu livro e o período retratado nele, o qual considera o mais importante da História brasileira: os treze anos de permanência (1808-1821) da família real portuguesa no Brasil.
Para começar, Laurentino explicou que a mola propulsora de "1808" foi uma pauta da revista Veja, da qual era editor. Como comenta nas primeiras páginas do livro, ele fora encarregado, em 1997, de elaborar um conteúdo sobre o episódio da vinda da Corte portuguesa ao Brasil, para integrar um suplemento com temas da História nacional que acompanharia edições da revista. O projeto acabou cancelado, mas Laurentino ficou fascinado pelas histórias que descobriu e seguiu pesquisando a respeito. Foram dez anos de pesquisa, com cerca de 150 obras lidas, que resultaram em "1808". Lucas elogiou a densidade informativa do livro e sua escrita clara e fluente, oposta à da maioria dos trabalhos sobre História lançados no país, feitos por acadêmicos e, por isso, enfadonhos e repletos de jargões. Laurentino salientou que essa foi uma preocupação dele: produzir um texto aprofundado e, ao mesmo tempo, acessível. Uma "reportagem em livro", enfim. E que abordar fatos complexos de um modo atraente para o leitor é justamente um dos papéis do jornalismo.
Ainda sobre a abordagem do tema, respondendo a um comentário de Lucas sobre a (positiva) falta de expressões eufemísticas no livro, o convidado afirmou que, de fato, quis deixar claro o que aconteceu no período, sem cosméticos. Laurentino não usou, por exemplo, termos como "mudança" ou "transmigração" para tratar da vinda da família real portuguesa, como muitos autores atualmente fazem. Para ele, o que houve em 1807 foi uma "fuga", mesmo, e apressada. As tropas de Napoleão invadiram Lisboa no dia seguinte à saída da Corte e, provavelmente, teriam derrubado Dom João VI, se ele tivesse optado por ficar em Portugal. Tal atitude, porém, segundo Laurentino, não deve ser confundida com covardia, pois, numa situação de guerra, quando se está em desvantagem, fugir pode ser uma opção esperta - e nesse ponto está, conforme comentou Lucas, uma das contribuições do livro, a de iluminar outros aspectos da personalidade de D.João. Os próprios estudantes da plateia, perguntados sobre que imagem do rei tinham na cabeça, responderam que era a de um sujeito gordo, glutão e apalermado. Laurentino disse ter procurado mesmo mostrar que D.João não é só aquele apresentado no filme "Carlota Joaquina", de Carla Camuratti. Foi deveras um homem feio, tímido e indeciso, mas mais perspicaz do que o senso comum imagina, principalmente na escolha de ministros e auxiliares.
Na sequência, o autor falou um pouco sobre a situação de Portugal depois da fuga da realeza, já que se tende a esquecer o país quando se trata do episódio, aqui no Brasil. Como na época a monarquia absoluta personificava o Estado, o povo português ficou desamparado e promoveu revoltas e até guerrilhas contra os franceses invasores. Esse sentimento de abandono desembocou na revolução do Porto, de 1820, que obrigou D.João a retornar a Portugal.
Voltando a falar do Brasil, Laurentino, frente a uma observação do mediador de que o livro faz constatar que o patrimonialismo, tão forte na nossa política, vem daquela época, comentou que realmente muitas das mazelas políticas brasileiras existentes ainda hoje começaram em 1808. A monarquia portuguesa se instalou num país sem tradição nem instituições, fazendo, aqui, o Estado se formar antes da sociedade, com a população amoldada ao governo. E o resultado foi o surgimento de um grupo "agarrado" ao Estado, movido a troca de favores e compadrio, confundindo interesses privados com públicos - pragas, 200 anos depois, ainda não eliminadas do cenário político nacional.
No fim do bate-papo, Laurentino creditou os mais de 500 mil exemplares vendidos de "1808" a um interesse, que identifica no público atual, por conhecer o "DNA" do Brasil, o passado que permite compreender o presente e pensar no futuro. Associou, também, o fato de o livro ter sido lançado em outros formatos - audio-book, DVD, versão juvenil - à tendência ao "multimídia" do jornalismo contemporâneo, absorvida também pela literatura. E adiantou que a "continuação" de "1808" já está no prelo. O novo livro, "1822", tratará da independência do Brasil, e deve sair em setembro.
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Esta semana é de Palavra Composta, e o tema a ser discutido também é de teor histórico: Anos 2000. Para conversar sobre fatos marcantes da década que termina, contaremos com dois jornalistas: Luiz Antônio Araújo, autor do livro "Binladenistão", e Leandro Demori, colaborador do MM e repórter internacional, que participará de Roma, na Itália, por meio de uma webcam. Amanhã, 18h, lá na Letras&Cia. Não percam.
Serviço
Palavra Composta e Nomes & Obras
Quando: toda terça-feira, de junho a setembro, às 18h
Onde: livraria Letras&Cia. (Osvaldo Aranha, 444, Porto Alegre)
Realização: MínimoMúltiplo.com e Letras&Cia.
Entrada e estacionamento (Osvaldo Aranha, 420) gratuitos
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