segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Olhares de "Capitu"



A série "Capitu", adaptação de Luis Fernando Carvalho para "Dom Casmurro", de Machado de Assis, foi muito bela - belíssima, como diria o
agregado José Dias, aquele personagem que adora superlativos. Quando eu soube que Carvalho seria o diretor, imaginei algo na linha de "Os Maias", sua memorável adaptação do romance de Eça de Queiróz exibida pela Globo em 2001 (fracasso de audiência, mas um marco na TV brasileira pelo requinte na produção). Ao ver, porém, as chamadas da estréia, percebi então que seria um trabalho mais no estilo que o diretor assumiu a partir de "Hoje é Dia de Maria": algo mais over, mais para "o teatral e o barroco", como comentou no seu blog o Daniel Piza, colaborador do roteiro. "Capitu" foi, sim, puxada para o caricatural, mas em nenhum momento desrespeitou o romance.

Diogo Mainardi não deixa de ter razão ao considerar, em sua coluna dessa semana na Veja, que Carvalho transformou "Dom Casmurro" em "circo", que tornou espalhafatosa a história contada de forma "seca e desencantada" pelo narrador-personagem Bentinho. Outros críticos também foram nessa direção, ressaltando que faltou a "Capitu" as sutilezas do romance. OK, eu também não gosto de exagero e acho que poderia ter havido "mais Machado" na série, mais concisão, mais sutileza. Mas atenção, pessoal: tratava-se de uma ADAPTAÇÃO! Não era uma simples 'transposição' do livro para a tela. A visão do diretor, é claro, está sempre envolvida nesses casos. O próprio Daniel Piza disse que, se fosse ele o autor da adaptação, teria feito diferente, menos caricato, menos barroco. Também salientou, contudo, que a inventividade, a beleza e os bons atores da série eram pontos altamente elogiáveis. E, de fato, foram. Luis Fernando Carvalho é mesmo daquele jeito, e isso não tira o mérito da produção. O visual, com aquela iluminação e aquela direção de arte, foi deslumbrante. A primeira vez em que Capitu aparece, no início do primeiro episódio, dançando e riscando o chão com giz, foi uma das cenas mais bonitas que já vi (a música da banda Beirut colaborou). O primeiro episódio, aliás, começou um tanto confuso, com uma montagem muito acelerada, mas depois o ritmo diminuiu um pouco e a série encontrou o rumo. Os atores, realmente, também estavam bem. As atuações de Michel Melamed e Letícia Persiles foram, com razão, bastante destacadas pela crítica, mas ouvi quase ninguém mencionar (só o Luis Carlos Merten, que eu lembre) o talento do garoto que interpretou o Bentinho jovem, César Cardadeiro. Que expressão facial ele tem! Isso tudo sem falar que "Capitu" não pretendeu, em nenhum momento, apresentar como certo o que no livro é só imprecisão: se Capitu traiu ou não o marido com Escobar; se Bentinho sentia atração sexual pelo amigo (hipótese bem-humoradamente levantada por Millôr Fernandes); se tudo não passa de imaginação do enciumado narrador. Luis Fernando Carvalho respeitou as ambigüidades do texto de Machado.

"Capitu" foi, enfim, com o perdão do clichê, um oásis em meio ao deserto que é a TV brasileira. E o prazer de abrir o livro para 'reler' as cenas que se tinha acabado de ver na tela, coisa que fiz, não tem preço. Quer algo melhor do que assistir à cena do primeiro beijo de Bentinho e Capitu, consumado após ele pentear os cabelos dela, e depois voltar ao livro de Machado para conferir suas palavras? "Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse intermináveis. Não pedi ao céu que eles fossem tão longos como os da Aurora, porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa"... Salve, Machado!


(Lucas Colombo)

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