quinta-feira, 10 de junho de 2021

Gênio, sim


Neste 10 de junho, João Gilberto faria 90 anos. Lembro-me de ouvir, nas conversas sobre ele que entabulei ou presenciei, inclusive nos dias posteriores à sua morte, em 2019, alguns comentários incomodados com o adjetivo "gênio" que vinha normalmente colado ao seu nome. Há mesmo uso banal, sem critério, do termo - hoje, qualquer pessoa que faz um comentário espertinho e engraçadinho, por exemplo, é chamada de "gênio". No entanto, João é um dos raros casos a que o termo se aplica, se nos guiarmos pela classificação de escritores, e que pode se estender para artistas em geral, feita por Ezra Pound em ABC da Literatura. Conforme o grande poeta e crítico americano, os inventores/gênios são os inovadores, criadores de formas distintas das estabelecidas e definidoras de novos parâmetros de qualidade artística. Mestres são aqueles que dominam quase à perfeição as formas artísticas criadas pelos inventores, tornando-se, com isso, também uma referência de qualidade. E diluidores são os que conhecem as obras dos inventores/gênios, aprendem com os mestres, mas limitam-se a reproduzi-los, sem contribuições e, muitas vezes, sem alcançar as mesmas sutileza e riqueza. Não é difícil concluir em qual dessas três categorias, portanto, João pode entrar. Ele criou, ao violão, uma nova divisão rítmica para o samba, sincopada e mais sintética do que a comum, e definiu, com Tom Jobim e Vinicius de Morais, toda uma nova forma de expressão para a música brasileira, mais intimista e despojada, ao mesmo tempo complexa e coloquial - bem distinta do que geralmente se fazia até aqueles anos 1950 de boleros e canções dor-de-cotovelo. "Chega de saudade", de 1958, continha letra diferente e harmonia diferente, às quais João aliou interpretação diferente e batida diferente. Ele não foi um diluidor; foi um inventor que se tornou mestre.

Nos seus 90 anos e sempre, portanto, podem chamá-lo de gênio, sim, à vontade. Porque ele foi mesmo um.

(Lucas Colombo)

quarta-feira, 1 de julho de 2020

MM Não Recomenda - A Odisseia dos Tontos, de Sebastián Borensztein



Saudoso de cinema argentino, busquei A Odisseia dos Tontos, o filme recente mais 'badalado' de lá, feito pelo diretor de Um Conto Chinês (2011) com base num romance de Eduardo Sacheri, mesmo autor do livro que originou O Segredo de Seus Olhos (2010). Perdi tempo. A boa história e os diálogos ágeis e espirituosos, traços habituais do cinema dos vizinhos, estão ali. Outro item costumeiro, a ambiguidade dos personagens, que faz a história tomar rumos por vezes inesperados, não. É uma trama maniqueísta e previsível, muito condescendente com aqueles tipos, fortalezas morais que parecem não ter defeitos. O único, talvez, tenha sido a ingenuidade de acreditar nos banqueiros e políticos malvadões (não que muitos não sejam) que arruinaram a Argentina em 2001 só para encher os bolsos com la guita confiscada. Rousseau adoraria o filme. Mas eu prefiro Relatos Selvagens, O Filho da Noiva, O Segredo de Seus Olhos, O Cidadão Ilustre, A História Oficial... (Lucas Colombo)

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

MM Recomenda - Depois do Fim, de Alex Bezerra de Menezes



Nestes tempos em que a literatura brasileira anda ensimesmada, um desfile de egos clariceanos que insistem na já cansada metalinguagem, felizmente há autores reagindo e redescobrindo o prazer e a riqueza de se contar uma boa história com a qual se discute o humano e uma sociedade – e não uma história sobre os dilemas de um escritor ao contar uma história. Fazem isso voltando-se ao passado recente do país, atitude também incomum entre os atuais ficcionistas daqui, que tendem a situar suas narrativas no presente ou em períodos mais distantes. Cristovão Tezza ambientou A Tradutora, de 2016, e A Tirania do Amor, de 2018, no tumultuado Brasil dos últimos dez anos. Daniel Galera, em Meia-Noite e Vinte, fica meio cá, nestes anos 2010, e meio no tempo da juventude dos personagens, os anos 1990. Inteiramente naquela última década do século 20 fica Alex Bezerra de Menezes, em Depois do Fim (Simonsen, 2016, 190 p.). O momento de esperanças (presidente corrupto derrubado, Plano Real, ascensão de Lula) que seriam frustradas na década seguinte se reflete nas trajetórias dos personagens: a vida deles também não dá certo. Em São Paulo, dois irmãos, um professor universitário e outro meio vigarista, tentam recuperar uma valiosa pintura de Frans Post, feita no período da ocupação holandesa em Pernambuco, que teria sido ingenuamente dada à avó morta deles. Para conseguir, porém, talvez tenham que lançar mão de métodos não muito lícitos – opção que, afinal, sempre se apresenta a quem vive no Brasil. Depois do Fim, aliás, vai fornecendo no desenrolar da narrativa um leque de tipos brasileiros: o imigrante europeu, o migrante nordestino, o intelectual pedante, a cidadã “politizada” de classe média. Todos circundados por fatos como a hiperinflação, o Tetra no futebol em 1994 e a derrota em 1998, o começo do uso da internet e do celular – e todos, em dado momento, unidos para dar um golpe. É um romance de ideias, em que o personagem-narrador, o irmão professor, intervém a toda hora para expor teses sobre comportamentos e fatos do cotidiano brasileiro. Com isso, aqui e ali a narrativa parece perder ritmo, falha compensada pela argúcia da maioria das observações. O olhar com que Alex Bezerra analisa o mundo de seus personagens é irônico, algo machadiano, o que fisga o leitor. E a conclusão a que esse leitor pode chegar é tragicômica como o personagem que acompanha, o homem que quer fazer tudo certo mas é pressionado pelo momento e pela cultura de elasticidade ética em que se insere: no Brasil, tudo acaba em falcatrua. Honestidade, aqui, é teimosia. Teimosia sem a qual não se forma um caráter, de um indivíduo ou de uma sociedade. Que certa literatura esteja enfrentando e pensando a questão sem, brasileiramente, cair nos polos do ufanismo (“É o jeito informal e criativo do brasileiro”) ou do derrotismo (“Este país é inviável”) é uma boa notícia. (Lucas Colombo)

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

MM Recomenda - Roda Gigante, de Woody Allen



Sempre que sai um Woody Allen, as reações são duas, opostas: 1. “Woody volta à boa forma!”. 2. “Mais uma porcaria. Bom é só o Woody dos anos 80”. O primeiro grupo não faz crítica; confunde desejo com realidade, pois o diretor nunca voltou à forma que exibia nos anos 80, ainda que em ótimos momentos como Match Point e Midnight in Paris. O segundo grupo se comporta do modo que Paulo Francis descreveu como “irritação do amante rejeitado”. Ama tanto Woody que não aceita nada abaixo de uma obra-prima por ano. Não percebe que um Woody Allen nota 7 ainda está acima do que se vê por aí nos cinemas. É o caso de Roda Gigante, de 2017. O título é apropriado, porque Woody tem andado em círculos: a história lembra o recente Blue Jasmine e o mais antigo Setembro, com a personagem, Ginny (Kate Winslet, contida e precisa, as usual), que carrega culpa por um erro definidor de sua vida, tem família disfuncional e se apaixona por um homem no qual deposita muitas esperanças. Trata-se mesmo de um Woody Allen menor, sem a classe exibida nos anos 80 e 90. A fotografia carregada, de cores quentes, é redundante, over como a interpretação de Jim Beluchi e a canastrice de Justin Timberlake, ator que parece ter como único recurso de interpretação balançar a cabeça. Mas o bom roteiro está lá, rico em referências: das tragédias gregas, com a “heroína” condenada pelo destino ao sofrimento, ao teatro moderno de Eugene O’Neil e Tennessee Williams (Ginny tem muito de Mary Tyron e de Blanche Dubois). Roda Gigante é mesmo “teatral”, de várias (e longas, o que é comum no diretor) cenas internas, mas isso não chega a ser problema. E é um filme tão bem escrito (“- Você acha que a tragédia que ocorre com uma pessoa é sempre culpa dela? - Não. O destino também tem um papel nisso. Há na vida mais coisas que fogem ao nosso controle do que queremos admitir.”) e tão perspicaz na observação daqueles seres humanos, que só se pode recomendar que seja visto. Apesar dos pesares. Coisas da cultura deste começo de século 21, em que parece se confirmar o aforismo de Karl Kraus: “Quando o sol da cultura está baixo, até anões projetam grandes sombras”. (Lucas Colombo)

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Auster seduz estranhos



Passado literário? O escritor norte-americano Paul Auster, autor do recente 4321 (Companhia das Letras, 2018), cita um escritor preferido, J. M. Coetzee: "As obras anteriores são como pacotes que a gente se livra pelo caminho; deixamos pela estrada para que outros peguem; as obras só são do escritor durante o processo". Mas, ao dizer isso, Auster (que falou aos gaúchos por videoconferência no evento Fronteiras do Pensamento) não denega o passado e até o evoca para abrandar o fetiche atual pela tecnologia: "Livro em papel é uma tecnologia que funciona bem, os e-books venderam muito nos EUA, agora o mercado esfriou, essa tecnologia não traz nem o número de páginas, só o percentual já lido", ironiza. "O smartphone faz as pessoas pensarem que têm o mundo na palma da mão, acho que o que as redes sociais conseguiram foi colocar online pessoas loucas todas juntas." Admite ainda sofrer para escrever. São oito horas por dia para obter apenas duas páginas, no máximo: "A arte é um presente para o outro, eu escrevo para um outro imaginário, o livro é o momento em que dois estranhos se encontram", filosofa. "Livros, filmes? Todos os povos sempre criaram histórias para se explicar e explicar a origem de todas as coisas. Isso não muda." (Jeison Karnal)

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

MM Não Recomenda - Roma, de Alfonso Cuarón + MM Recomenda - A Esposa, de Björn Runge



Os gringos até podem cair nessa de que Roma, lançado recentemente pela Netflix e concorrente ao Oscar, é uma obra-prima do cinema moderno. Não é. Mas eles acreditarem nisso, tudo bem. O que assusta é que nós estejamos repercutindo essa falácia. No Brasil, temos diversos exemplares de Roma. É um filme que reproduzimos aos montes, desde o Cinema Novo. Todo ano tem uns dez, no mínimo. Recentemente, tivemos os didáticos Que Horas Ela VoltaCasa Grande, descrevendo a relação entre pobres e ricos. A história de Roma é a batida via crúcis do miserável. Em que ele é, acima de tudo, um forte. O desafortunado suporta as agruras do mundo, sempre meio alienado, e segue em frente. Pois a vida é assim mesmo. Os bem vividos são os culpados, os alienados de verdade, que não enxergam a real situação das coisas. O pobre vive a História. O rico só serve para narrá-la. Roma é um dramalhão frio, que se passa na Cidade do México, década de 70, durante o truculento governo do presidente Luis Echeverría Álvarez, considerado uma ditadura perfeita por Mario Vargas Llosa. Narra a rotina de uma empregada doméstica de família. O pai do clã some, restando às mulheres da casa tomarem conta de tudo. O motivo da fuga só é explicitado no fim. E aí está uma boa sacada. Somente aí. Todo o resto é lugar-comum para nós, terceiro-mundistas. Ao longo de duas horas, ficamos diante da mesma estética de um filme nacional típico. A lentidão de acontecimentos, a trilha insignificante, a culpa burguesa do diretor (o mexicano Alfonso Cuarón, mas poderia ser algum Moreira Salles, não faria diferença), pesando no roteiro. O diferencial para nossos filmes, e que piora as coisas, é que Roma é rodado em um cafona preto e branco. Aquela fotografia pretensiosa (Salve, Sebastião Salgado!). Entretanto, nem tudo é negativo. É preciso também ver o lado bom. E a vantagem de Roma para outros filmes enfadonhos é que ele está disponível somente no catálogo da Netflix. Basta dar um stop e escolher outro. (Lucas Barroso)


* * *


A Esposa é um filme de pouco brilho, do ponto de vista formal. Narrativa quadradinha, convencional, com planos bonitos, diálogos afiados e grande atuação de Glenn Close (merecidamente a favorita ao Oscar de melhor atriz). Mas como faz pensar sobre questões com que toda pessoa que vive de escrita se defronta. Se alguém copidesca o texto de outro, quem é o verdadeiro autor? Como ver um incompetente ganhar elogios ou prêmios imerecidos e não nutrir ressentimento por isso? Se um escritor não conseguir ser publicado ou lido, deve desistir ou insistir? Não há respostas fáceis, e o filme não oferece nenhuma. O que é bom. (Lucas Colombo)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

MM Recomenda - Lacombe, Lucien, de Louis Malle



Lacombe, Lucien, filme que completa 45 anos de lançamento neste 2019, é o melhor de Louis Malle (1932-1995). Suas riqueza e força estão na abordagem “neutra” (entre aspas, porque a opção pela “neutralidade” faz sobressair-se uma crítica a todos os lados envolvidos) de um fato político espinhoso: a colaboração de franceses à ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Malle e o escritor Patrick Modiano, com quem elaborou o roteiro, não condenam nem absolvem o personagem, um rapaz simplório e ignorante que adere aos nazistas não por ser exatamente “mau”, mas porque isso o faz se sentir importante e poderoso pela primeira vez na vida. Não defendem tese, não tentam justificar nada; somente contam a história, em toda a sua ambiguidade, a ambiguidade tão esperada em uma obra de arte. Lucien causa nojo, mas também pode causar pena (ser perdoado? Jamais). É uma abordagem quase impossível de se obter, por exemplo, da maioria dos cineastas brasileiros, que infantilmente insistem no esquematismo, em identificar “vilões”, fazer dramaturgia brechtiana para “conscientizar as plateias”. “Há pessoas com que não se pode discutir, gente que navega eternamente na idealização e na mitologia”, disse Malle sobre seu filme, em entrevista de 1975 mas ainda atual. Tão atual quanto a ideia que emana de Lacombe, Lucien: o problema não é ser de esquerda ou de direita, é ser estúpido. (Lucas Colombo)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

MM Recomenda - Lado B, Lado A, banda O Rappa



"Hoje, eu desafio o mundo sem sair da minha casa..." (Me Deixa)

Esta recomendação contém uma boa dose de nostalgia. Em 1999, o pop rock nacional ainda tinha uma certa relevância cultural. Movimentava e ditava modas e tendências entre os jovens e interessados pelo universo pop, no Brasil. Aliás, nesse termo "pop rock" (por incrível que pareça, ele existia) poderia se enquadrar uma banda como O Rappa, que lançava o bom Lado B, Lado AUm apanhado de letras sagazes de Marcelo Yuka, cobertas por uma sonoridade urbana, repleta de guitarras e efeitos eletrônicos. A temática era nacional, mas a pegada tinha um quê dos ingleses do Asian Dub Fundation e Black Grape. Um disco acima da média. Figura em diversas seleções de melhores discos brasileiros de todos os tempos. Bom de ouvir em um engarrafamento, no ônibus/metrô lotado ou em qualquer situação de um dia insuportavelmente quente de verão. O saudosismo evocado por Lado B, Lado A é de um período de ebulição: início da música digital (mp3, Ipod e afins), CDs piratas, paradas de sucesso com presença de diferentes estilos musicais, rádios jovens, publicações de música, programas de auditório, clipes na MTV. Para se ter uma ideia, o vocalista d'O Rappa, Falcão, era um personagem corriqueiro em revistas e programas de fofoca, pois namorava a atriz Débora Secco. O cenário de 1999 foi realmente emblemático. O último suspiro de um jeito de ver e consumir cultura pop. Hoje, provavelmente um disco como Lado B, Lado A não teria nem metade da repercussão e significação que teve. Logo na sequência, em 2000, Yuka foi baleado em assalto e ficou paraplégico. A banda, então, desandou, com discos abaixo da média e shows sofríveis. No palco, o som ficava lá atrás. Só se notava Falcão, com a postura de um guru de autoajuda, empilhando discursos vazios sobre qualquer tema pungente. Além disso, ele lançava mão de constantes vocalizações e onomatopeias que deixariam João Bosco corado. Em 2018, o grupo decidiu dar um tempo. É por tudo isso que ouvir aquele O Rappa, 20 anos depois, dá uma certa saudade. (Lucas Barroso)

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

50 Anos Blues



Nestas últimas semanas deste moribundo ano, não faltou quem associasse as mobilizações dos “coletes amarelos” em Paris ao movimento de, como se convencionou chamar, “Maio de 68” – e os manifestantes atuais deram motivo, é claro, ao preencher cartazes com frases que aludiam àquele episódio. Mas o ano inteiro foi de festa para o cinquentenário dos protestos que marcaram o 1968 do Ocidente. Especificamente do “Maio” parisiense, sobre o qual foi jogada a maior parte dos confetes da festa, dizem que “Foi uma revolução” (não foi; revolução pressupõe ruptura da ordem estabelecida), “Um grito de insatisfação similar ao de 2013 no Brasil” (e tão difuso e contraditório quanto, não?), etc. etc. Não sei se há razões para saudade e exaltação de um ano que gerou muito calor e pouca luz, que viu radicalismos de esquerda e de direita se retroalimentarem (guerrilha socialista, Black Panthers, Primavera de Praga, AI-5...). Só se for por identificação freudiana, nestes tediosamente polarizados anos 2010.

Dois slogans do “Maio de 68” francês provam como a herança cultural daquela época não é tão admirável assim - nem vou falar do “É proibido proibir”, uma contradição em termos e, pior, emitida por quem exibia fotos dos totalitários Mao e Lênin:

1. A inteligência caminha mais que o coração, mas não vai tão longe”. Tipo de mentalidade que ajudou a moldar esta era de muita sensação e pouca razão, muito hedonismo e pouca responsabilidade. A espetaculosa arte atual e o predomínio quase sufocante da cultura pop que o digam.

2. Se nossa situação nos arrasta para a violência, é que a sociedade inteira nos violenta”: Infantilidade pura, essa de colocar a culpa sempre nos outros ou no “sistema” (“Não foi a greve que gerou o caos, foi o caos que gerou a greve”, etc.). Também ajudou a modelar um pensamento comum hoje, o “todomundofazismo”, a noção de que, se algo, mesmo antiético, for praticado pela maioria, então “pode”.

Maio de 68 também deu contribuição decisiva para o “marketing da rebeldia”, a ideia de que juventude e rebeldia são um valor em si só (Nelson Rodrigues já a questionou bem melhor do que eu), outro legado bastante contestável. Se for para apontar uma herança positiva – que, sim, toda reação vivaz deixa –, é a dessacralização do sexo. Hoje, o tema é abordado abertamente por pais, filhos, professores e mídia, e jovens, adultos e idosos têm bem mais autonomia para se relacionar com quem quiserem (apesar das crescentes patrulhas à esquerda e à direita). Há também mais diversidade no vestir e no falar (idem). Mas, infelizmente, o desprezo ao método e à reflexão nuançada e o cacoete mental de se dividir as pessoas entre conservadores/“reaças” e progressistas/“fluidos” foi o que mais permaneceu. Passados 50 anos, já é mais do que hora de crescer. Ou envelhecer, como recomendou, com mais humor, Nelson, outra vez.
(Lucas Colombo)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

MM Recomenda - Recomposed by Max Richter: Vivaldi – The Four Seasons



Para lembrar que a humanidade ainda é capaz de beleza (tá difícil, eu sei), ouça o CD com a recriação da suíte As Quatro Estações, de Vivaldi, feita em 2012 pelo compositor inglês Max Richter. Releitura de uma surrada peça musical em uma sonoridade minimalista, arejada e com elementos de eletrônica. Hipnotizante. Nem só de choque gratuito e efemeridade vive o pós-modernismo. (Lucas Colombo)