quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

50 Anos Blues



Nestas últimas semanas deste moribundo ano, não faltou quem associasse as mobilizações dos “coletes amarelos” em Paris ao movimento de, como se convencionou chamar, “Maio de 68” – e os manifestantes atuais deram motivo, é claro, ao preencher cartazes com frases que aludiam àquele episódio. Mas o ano inteiro foi de festa para o cinquentenário dos protestos que marcaram o 1968 do Ocidente. Especificamente do “Maio” parisiense, sobre o qual foi jogada a maior parte dos confetes da festa, dizem que “Foi uma revolução” (não foi; revolução pressupõe ruptura da ordem estabelecida), “Um grito de insatisfação similar ao de 2013 no Brasil” (e tão difuso e contraditório quanto, não?), etc. etc. Não sei se há razões para saudade e exaltação de um ano que gerou muito calor e pouca luz, que viu radicalismos de esquerda e de direita se retroalimentarem (guerrilha socialista, Black Panthers, Primavera de Praga, AI-5...). Só se for por identificação freudiana, nestes tediosamente polarizados anos 2010.

Dois slogans do “Maio de 68” francês provam como a herança cultural daquela época não é tão admirável assim - nem vou falar do “É proibido proibir”, uma contradição em termos e, pior, emitida por quem exibia fotos dos totalitários Mao e Lênin:

1. A inteligência caminha mais que o coração, mas não vai tão longe”. Tipo de mentalidade que ajudou a moldar esta era de muita sensação e pouca razão, muito hedonismo e pouca responsabilidade. A espetaculosa arte atual e o predomínio quase sufocante da cultura pop que o digam.

2. Se nossa situação nos arrasta para a violência, é que a sociedade inteira nos violenta”: Infantilidade pura, essa de colocar a culpa sempre nos outros ou no “sistema” (“Não foi a greve que gerou o caos, foi o caos que gerou a greve”, etc.). Também ajudou a modelar um pensamento comum hoje, o “todomundofazismo”, a noção de que, se algo, mesmo antiético, for praticado pela maioria, então “pode”.

Maio de 68 também deu contribuição decisiva para o “marketing da rebeldia”, a ideia de que juventude e rebeldia são um valor em si só (Nelson Rodrigues já a questionou bem melhor do que eu), outro legado bastante contestável. Se for para apontar uma herança positiva – que, sim, toda reação vivaz deixa –, é a dessacralização do sexo. Hoje, o tema é abordado abertamente por pais, filhos, professores e mídia, e jovens, adultos e idosos têm bem mais autonomia para se relacionar com quem quiserem (apesar das crescentes patrulhas à esquerda e à direita). Há também mais diversidade no vestir e no falar (idem). Mas, infelizmente, o desprezo ao método e à reflexão nuançada e o cacoete mental de se dividir as pessoas entre conservadores/“reaças” e progressistas/“fluidos” foi o que mais permaneceu. Passados 50 anos, já é mais do que hora de crescer. Ou envelhecer, como recomendou, com mais humor, Nelson, outra vez.
(Lucas Colombo)

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